Análise publicada na The Lancet revela impacto da Wolbachia no controle da dengue em Campo Grande

03 de Dezembro de 2025
MOSQUITO AEDES VISTO DO MICROSCÓPIO
Foto: Flávio Carvalho/WMP Brasil

 

Estudo mostra que soltura em massa de mosquito Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia levou a uma redução de 63% nos casos de dengue no município.

 

Por Thayssa Maluff – Fiocruz Mato Grosso do Sul

 

Um estudo aceito para a edição de fevereiro de 2026 da The Lancet Regional Health – Americas apresenta uma análise detalhada da soltura em massa de mosquitos Aedes aegypti com bactéria Wolbachia como estratégia de controle da dengue em Campo Grande (MS). A técnica envolve introduzir a bactéria Wolbachia — comum em cerca de 60% dos insetos — no mosquito Aedes aegypti. A presença dessa bactéria dificulta a multiplicação dos vírus dentro do mosquito, diminuindo sua capacidade de transmitir doenças. Os resultados indicam uma redução de 63,2% na incidência da doença em 2024 nas áreas em que a Wolbachia atingiu níveis estáveis na população de mosquitos, após a intervenção realizada entre 2020 e 2023.

A pesquisa foi conduzida por uma colaboração entre a Fiocruz Mato Grosso do Sul, Fiocruz Minas, Yale, Stanford, Johns Hopkins, Universidade de São Paulo, Monash University (Austrália), o World Mosquito Program, Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande e Secretária Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul. O estudo avaliou a intervenção como uma política pública financiada e coordenada pelo Ministério da Saúde, marcando a primeira análise científica programática desse tipo no país.

A liberação de mosquitos com Wolbachia foi realizada de forma contínua por três anos, abrangendo seis grandes zonas urbanas e totalizando mais de 100 milhões de insetos liberados. Em 2024, Campo Grande apresentou 86,4% de prevalência média da bactéria nos mosquitos, e 89% das áreas monitoradas alcançaram prevalência igual ou superior ao limiar de 60%, considerado indicador de estabilidade. O monitoramento entomológico utilizou 1.677 ovitrampas distribuídas pela cidade, permitindo acompanhar o avanço da Wolbachia mês a mês.

A análise da série histórica de casos de dengue (2008–2024) evidencia que, após a intervenção, a cidade deixou de registrar surtos com a magnitude observada no período pré-Wolbachia. Antes da implementação, os casos anuais frequentemente ultrapassavam 4.700 registros. Após a liberação dos mosquitos infectados, a cidade registrou 410 casos em 2021, 8.045 em 2022, 11.406 em 2023 e 605 até setembro de 2024. O estudo também demonstra uma relação proporcional entre a prevalência da Wolbachia e a queda na incidência da doença: quanto maior o percentual de mosquitos infectados com a bactéria, menor o número de casos de dengue.

O artigo destaca que a estratégia se integra às ações regulares de vigilância em saúde, não utiliza produtos químicos e apresenta características de manutenção autônoma na população de mosquitos ao longo do tempo. Reforça ainda que a Wolbachia se soma às demais iniciativas de prevenção, como eliminação de criadouros e vacinação, compondo um conjunto de medidas para redução da transmissão das arboviroses.

A Fiocruz Mato Grosso do Sul desempenhou papel central na execução local do estudo, coordenando a produção científica e o monitoramento epidemiológico. A Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande atuou diretamente na logística territorial e operacionalização da estratégia, garantindo continuidade das atividades de campo. A Secretaria de Estado de Saúde apoiou a iniciativa cedendo o prédio para instalação e manutenção da fábrica de produção de mosquitos, disponibilizando dois veículos com combustível para as solturas e designando três técnicos para o projeto.

O estudo aponta que a intervenção apresenta viabilidade técnica, adesão comunitária e impacto epidemiológico consistente, características que podem subsidiar sua expansão para outros municípios. Em um cenário nacional de transmissão elevada de arboviroses, esses achados de mundo real contribuem para o fortalecimento de políticas baseadas em evidências e para o desenvolvimento de abordagens integradas de vigilância e controle da dengue.

A análise também reforça a importância de ações coordenadas entre instituições de pesquisa, sistemas de saúde e comunidade, contribuindo para o avanço de estratégias sustentáveis de controle de arboviroses no Brasil.

 

https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(25)00338-2/fulltext

 

 

Directed to the international press

 

Title: Analysis published in The Lancet reveals the impact of Wolbachia on dengue control in Campo Grande

Study shows that the mass release of Aedes aegypti mosquitoes carrying the Wolbachia bacterium led to a 63% reduction in dengue cases in the municipality.

 

By Thayssa Maluff – Fiocruz Mato Grosso do Sul

 

A study accepted for the February 2026 issue of The Lancet Regional Health – Americas presents a detailed analysis of the mass release of Aedes aegypti mosquitoes carrying the Wolbachia bacterium as a strategy for dengue control in Campo Grande, Mato Grosso do Sul (Brazil). The technique consists of introducing Wolbachia—a bacterium naturally present in about 60% of insect species—into Aedes aegypti. Its presence inhibits viral replication inside the mosquito, thereby reducing its ability to transmit diseases. The results indicate a 63.2% reduction in dengue incidence in 2024 in areas where Wolbachia reached stable levels in the mosquito population, following the intervention conducted between 2020 and 2023.

The research was carried out through a collaboration among Fiocruz Mato Grosso do Sul, Fiocruz Minas, Yale, Stanford, Johns Hopkins University, the University of São Paulo, Monash University (Australia), the World Mosquito Program, the Municipal Health Secretariat of Campo Grande, and the State Health Secretariat of Mato Grosso do Sul. The study assessed the intervention as a public policy funded and coordinated by the Brazilian Ministry of Health, marking the first programmatic scientific evaluation of its kind in the country.

The release of Wolbachia-infected mosquitoes was conducted continuously over three years, covering six major urban zones and totaling more than 100 million mosquitoes. In 2024, Campo Grande reached an average Wolbachia prevalence of 86.4% in the mosquito population, and 89% of monitored areas achieved a prevalence equal to or above the 60% threshold considered indicative of stability. Entomological monitoring was carried out through 1,677 ovitraps distributed across the city, enabling month-by-month tracking of Wolbachia prevalence.

The analysis of the historical dengue case series (2008–2024) shows that, after the intervention, the city no longer experienced outbreaks of the magnitude observed in the pre-Wolbachia period. Before implementation, annual cases often exceeded 4,700. Following the release of infected mosquitoes, the city recorded 410 cases in 2021, 8,045 in 2022, 11,406 in 2023, and 605 cases up to September 2024. The study also demonstrates a proportional relationship between Wolbachia prevalence and declining disease incidence: the higher the percentage of Wolbachia-infected mosquitoes, the lower the number of dengue cases.

The article highlights that this strategy integrates seamlessly with routine public-health surveillance efforts, does not involve chemical products, and shows features of self-sustaining maintenance within the mosquito population over time. It emphasizes that Wolbachia complements other prevention measures, such as source reduction and vaccination, forming part of a broader set of actions to reduce arbovirus transmission.

Fiocruz Mato Grosso do Sul played a central role in the local execution of the study, coordinating scientific production and epidemiological monitoring. The Municipal Health Secretariat of Campo Grande directly supported territorial logistics and operational activities in the field. The State Health Secretariat contributed by providing the building for the mosquito-production facility, supplying two vehicles with fuel for mosquito releases, and assigning three technical staff to the project.

The study concludes that the intervention demonstrates technical feasibility, strong community adherence, and consistent epidemiological impact—characteristics that support its potential expansion to other municipalities. In a national context of sustained arbovirus transmission, these real-world findings strengthen evidence-based policies and the development of integrated approaches for dengue surveillance and control.

The analysis also underscores the importance of coordinated action among research institutions, health systems, and communities, contributing to the advancement of sustainable strategies for arbovirus control in Brazil.